terça-feira, 3 de abril de 2018

O Ramo da Estrada Real de João Monlevade



Imagine que o município de João Monlevade é cortado, de leste a oeste, por aquele que foi um dos mais movimentados e estruturados ramos da Estrada Real, na região. É isso mesmo, ninguém sabe, mas o trajeto linear da Avenida Getúlio Vargas corresponde ao traçado da antiga estrada carroçável que dava acesso à Fábrica de Ferro Monlevade, escoava sua produção e era muito transitada pelas tropas, já que era dotada de pontes largas e confiáveis, coisa incomum de se achar naquele idos. A própria Fábrica de Ferro de Monlevade já era em si um grande atrativo para tropeiros porque, além da existência de largas pontes para travessia do Rio Piracicaba, o estabelecimento também produzia os melhores cravos, ferraduras e ferramentas para ferrar, o que produzia muito movimento das tropas. Muitos tropeiros viviam,exclusivamente, de revender os produtos mais leves fabricados por Monlevade, como as próprias ferraduras, cravos, pregos, enxadas, machados, foices, fechaduras, cavilhas, etc, Minas afora. Outro aspecto muito interessante do ramo da Estrada Real que passa pelo Município era o intenso trânsito dos carretões de quatro rodas, puxados por juntas de bois, que serviam à Fábrica de Ferro de Monlevade no transporte do minério de ferro, do carvão, etc, e também transportavam seus produtos até as Minas de Ouro. Monlevade foi o principal fornecedor de artefatos de ferro para as Companhias de Ouro inglesas que se fundaram às dezenas por toda Minas Gerais nos 1800. E era ele também quem transportava seus produtos até seus clientes, por meio de uma extensa rede de estradas carroçáveis, dotadas de pontes e pousos, por onde trafegavam seus carretões de quatro rodas, guiados por seus escravos. Há registro de um aguilhão (eixo) de ferro de 60 arrobas (900 quilos) de peso, forjado pelo Martelo Vapor de Monlevade, transportado num carretão de quatro rodas e entregue na Mina de Morro Velho em Nova Lima, a mais de 100 km quilômetros de distância. 
Em 1853, Monlevade escreveu ao governador de Minas:
[...]
"Existem 150 escravos de serviço, já adestrados na arte do ferro, na fabricação do carvão a moda européia, na manipulação de ferros de todas as formas e tamanhos ... Entre os escravos há também ótimos ... carreiros, arrieiros, etc, etc".

"Carreiros" eram os escravos que conduziam os carretões de quatro rodas puxados por juntas de bois e "arrieiros" eram os escravos que conduziam as tropas de mulas. E segue Monlevade:
[...]
"Existe na fazenda para cima de cinco léguas (35 quilômetros) de estrada de carro, entre as quais 2 ½ (17,5 quilômetros) admitem carros europeus de quatro rodas. Tem duas pontes lançadas sobre o Rio Piracicaba,... Em fim tem carros grandes de quatro rodas para condução do carvão, das pedras; há carretões à moda européia ..."

As estradas carroçáveis construídas por Monlevade iam muito além das divisas de sua propriedade, conforme se transcreve (Relatório de 1853):
[...]
"Porém utilizando uma estrada que fiz na direção dela, a qual é já utilizada para o transito geral das tropas que vão da Prata a S. João de Madureira, Antônio Dias, Lagoa, a Santa Bárbara, Gongo, Sabará, etc e aproveitando pedaços da estrada tortuosa que existe, talvez depois de concluída , a distancia à pedreira de cal não excederá a 6 ½ léguas.
Ela (a fábrica) é aqui distante a 2 ½ léguas dos Arraiais de S. Miguel e S. José da Lagos e agora a seis léguas da cidade de Itabira, mas, ficando acabada a ponte em construção sobre o Rio de Santa Bárbara , assim como a estrada da dita para a cidade, ficara a distancia reduzida a 4 ¼ léguas. Em fim este lugar outrora inteiramente deserto, está hoje muito freqüentado pelas numerosas tropas carregadas de mantimentos que vão para a mata e saem delas, assim como por outras que tem negócios com a casa, todas se aproveitando das estradas, e no tempo de seca de uma das pontes que franqueie ao público..."

O trajeto do ramo da Estrada Real monlevadense que, em grande parte, compreende o traçado da atual Avenida Getúlio Vargas, tem início no entroncamento na Ponte Coronel (acesso secundário a Santa Bárbara), na BR 381, passa pela Localidade de Santa Rita de Pacas, Bairro Nova Cachoeirinha, Bairro Carneirinhos, onde segue pela margem direita do Córrego homônimo, hoje canalizado, atravessando todo o centro comercial para passar pelos bairros Belmonte, Baú, Areia Preta , Vila Tanque até chegar ao Solar Monlevade, sede administrativa da Fábrica de Ferro e da Fazenda Carvoeira de Monlevade, de onde segue para Rio Piracicaba, passando pelo Bairro Jacuí. 
Se por um lado, a Vila Operária de Monlevade (1935) foi planejada, por outro, o surgimento de Carneirinhos se deu de forma muito parecida com o que acontecia com os vilarejos mineradores do sec. XVIII que se instalavam a partir de arruamento correspondente aos traçados das rotas dos tropeiros. Foi assim com Carneirinhos que, mesmo no sec. XX, teve suas primeiras casas e comércios abertos ao longo da rota local dos tropeiros. É preciso lembrar quando foi fundada a Vila Operária, os únicos acessos à Monlevade eram por ferrovia e pelas antigas rotas de tropeiros, ainda não existiam as rodovias. 
É claro que a cereja do bolo do ramo da Estrada Real monlevadense são o Solar Monlevade e o Museu que abriga as máquinas da fábrica, entre elas o também desconhecido Martelo de Forja a Vapor, seguramente a primeira máquina a vapor da indústria brasileira. Apenas o Martelo de Forja a Vapor, se restaurado, divulgado e colocado à visitação, representaria um grande atrativo turístico, pois deve ser o único da América Latina. Não é por menos que o Sesc tem marcos da Estrada Real instalados em vias correspondentes do Município (fotos). 
O fato de Monlevade ser cortada por um ramo muito distinto da Estrada Real, possuir a primeira máquina a vapor da indústria, que chegou ao Município em 1828, por meio de uma expedição inédita, tripulada por mais de uma centena de índios botocudos e não saber de nada disto demonstra o elevado grau de alienação em que vive o monlevadense e o que acontece com João Monlevade, em termos culturais e da construção da identidade local, é apenas uma mostra da completa alienação em que vive o brasileiro contemporâneo. Infelizmente o brasileiro atual não tem compreensão de sua origem, de sua identidade, de sua história e de sua formação. Por isso, tem esta imensa dificuldade em seguir edificando o país.

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